top of page

Memórias de um dia de abril

O tempo é um sujeito estranho. Misterioso, como se fosse parte de uma eterna história de suspense que nunca nos conta o final. O tempo mata nossas memórias, algumas boas, algumas ruins, sem nunca se estabelecer como vilão ou herói, e nós, tolos seres humanos, insistimos em tentar recuperá-las.

22 de abril foi há meio século atrás, tenho certeza disso. Sei que era outono por causa do calendário, provavelmente ventava. Éramos quatro estudantes de jornalismo nos aventurando pela cidade em busca de nossa primeira história para contar. Coragem! Era isso que precisávamos. Nada tão dramático assim, mas na nossa cabeça era. Tudo era extremamente empolgante e assustador, até mesmo pegar o ônibus.

Nos confundíamos com os números do transporte, era o ônibus 237 ou 236? No final, era o 337. Ficávamos procurando com a cabeça erguida a plataforma, como quem busca o céu. Tínhamos medo de descer no ponto errado. De não acharmos o número 336 da Rua Serra Formosa. De sermos assassinados no meio do caminho, por que não?

Sobrevivemos, como pode ser percebido, essas palavras não são memórias póstumas. A única coisa que matamos foram nossos medos e preconceitos. Tínhamos achado naquele dia a nossa comunidade e naquele momento tivemos a certeza de que trabalhar com ela seria incrível, como realmente foi.

Isa foi quem avistamos primeiro, ela estava sentada em um banco, vestida de preto, com um boné e roupa de skatista. Na época não sabíamos quem era, só com o tempo descobriríamos que ela tinha 14 anos, era tímida e se sentia envergonhada de subir nos palcos e cantar, mas no dia só ficamos sabendo do básico: que ela era uma das integrantes do Das Minas Gerais, o coletivo feminino de Rap que iríamos acompanhar, e aquilo bastou.

Só Isa estava lá, ela esperava as outras mulheres enquanto um som ensurdecedor vinha de dentro. Esperamos. Após alguns encontros perceberíamos que somos bons em esperar, parecia que tudo com elas atrasava. E nós esperávamos.

Mas, como em uma daquelas frases motivacionais, toda a espera é recompensada, e logo vimos descer a rua uma senhora, com um grande agasalho e um sorriso maior ainda. Ela trazia boas notícias, Aisha nasceu. Um nome com um significado majestoso: a que está viva. Mas quem é Aisha? Também nos fazíamos essa pergunta. A resposta que tivemos foi a de que era a sua netinha, filha de Aliara.

Essa senhora abriu a porta e nos convidou para entrar, naquele momento entrávamos em um mundo novo, pisávamos em um solo onde todos os elementos do Hip Hop se encontravam. As paredes eram pintadas de Grafitti, os espelhos na parede mostravam que ali havia aulas de dança e as caixas de som anunciavam o Rap. Aquele local era a sede do Manos do Hip Hop, um grupo de dança, e também a casa daquela senhora sorridente de nome Ormezinda. As duas, mãe e filha, também são integrantes do DMG.

As boas notícias foram seguidas de animação, quatro pessoas rindo e falando alto passaram pela porta. Andrea, Rafaela, Luciene e Sara. Aquelas seriam os membros que conheceríamos naquele dia. Se precisássemos usar uma única palavra para descrever o DMG usaríamos empolgação.

Elas eram tão divertidas, felizes e amigáveis que fizeram o nosso nervosismo de estar ali diminuir quase que por inteiro, mas havia uma pessoa que ainda estava ansiosa com tudo isso, seu nome era Nardiellen. Nervosismo justificável, aquele era um dia atípico, até então não sabíamos que elas iriam fazer um processo seletivo para escolha de uma nova integrante para o grupo e ela ia tentar a sorte.

Nardiellen foi a única que compareceu naquele dia, talvez por Aliara Martins ter tido sua filha as pessoas acharam que a seletiva havia sido cancelado.

Mas, mesmo assim, as garotas prosseguiram pois não poderiam a deixar na mão. Então apenas com ela foi realizada aquela sabatina que deixou até nós mesmos apreensivos. Na hora da jovem cantar e rimar o nervosismo atrapalhou. Mistério! Foi o que rolou, as meninas se reuniram de um lado, enquanto nós de outro aguardávamos aflitos por uma resposta: “Se a Nardiellen estaria dentro do DMG?” Sim, mesmo com toda a ansiedade elas gostaram da garota, até a gente comemorou.

Com 9 integrantes, o coletivo voltou sua atenção para nós, nos explicou sobre quem eram, o que faziam e no que acreditavam. E nós acreditamos nelas e elas acreditaram em nós.

Hoje, doí pensar que o trabalho que desenvolvemos juntos está encerrando, mas carregamos a certeza que continuaremos ir em cada show que pudermos. Porque aqui contamos o início que está nas nossas memórias que o tempo ainda não apagou, mas não pretendemos contar o final, pois aceitamos o suspense e decidimos continuar.


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page